8 de setembro de 2010

De nossas máscaras e da impermanência de nossas identidades

Talvez essa seja uma das postagens mais difíceis de escrever. O tema em si é contraditório e polêmico. Quando falamos em máscaras, logo nos vem à mente a ideia de pessoa fingida, falsa, não confiável. No entanto, o sentido que adoto aqui para máscaras não tem nada a ver com a índole da pessoa, mas sim, com sua capacidade de assumir diferentes personalidades/identidades de acordo com o que é pedido em cada situação. É o que chamamos também de impermanência. Vejamos melhor isso.

Temos, mesmo que inconscientemente, uma capacidade de construir mundos e pessoas de acordo com nossas crenças e fixações. É fácil perceber isso. Se uma pessoa partilha do mesmo gosto que nós, logo passamos a nos identificar e gostar dela. Contudo, se há alguma divergência, tendemos a olhar a pessoa de modo estranho e às vezes até nos afastamos. Isso acontece porque olhamos as coisas de um ponto de vista absolutamente estreito e limitado, que é o nosso. Achamos que nossas certezas são universais e indiscutíveis, enquanto que as dos outros, não passam de meros caprichos.

É nesse ponto que entra a noção de máscaras, pois, se pararmos para analisar, estamos o tempo todo utilizando uma. Em casa com nossa família, somos uma pessoa. No trabalho, somos outra completamente diferente. Com os amigos, idem. A cada ambiente pelo qual vamos circulando, surge com ele uma máscara específica. E isso vem muito da construção que fazemos das pessoas e dos mundos. O modo como tratamos nosso melhor amigo não é o mesmo que tratamos nosso chefe. A voz mansa e suave com a qual deixamos nossa namorada molhadinha não é a mesma com que falamos com nossa mãe. E assim por diante. Assumimos uma máscara, uma personagem, uma outra pessoa de acordo com a situação. Estamos o tempo todo mudando. Nunca somos e nem nunca seremos uma coisa fixa, rígida, imutável. É daí que surge o nosso sofrimento. Por acreditarmos que somos uma coisa alheia a mudanças, temos a tendência em nos fixarmos em determinadas máscaras e, quando caem, com elas vão nossas fixações, nossas concepções de mundo, nossas crenças e valores, enfim, nosso eu. Ficamos sem chão, sem certezas, sem rumo. Temos então, nesse momento, uma crise de identidades.

Podemos facilmente confundir máscaras com identidades. A diferença é quase imperceptível. Uma máscara, como já abordamos, vai muito da construção de mundos e pessoas que fazemos. Já identidade tem a ver com nossa percepção de nós mesmos em momentos distintos. Não sei se fui claro, tentarei através de exemplos explicar um pouco da noção de identidade, bem como sua impermanência.

Todos nós já assumimos diversas identidades. Em algum momento já fomos o filho bonzinho, o orgulho ou dor de cabeça do pai, o namorado dedicado ou o marido desleixado. Em cada situação, agimos e fomos aquilo que acreditávamos ser. Nossa visão limitada e nosso horizonte reduzido ajudaram a solidificar esse automatismo. Acreditamos tanto que éramos aquilo que, quando essa identidade se foi, ficamos sem entender como o processo todo funciona. Isso mesmo. Você, assim como eu, estamos inseridos num processo, cuja complexidade pede mais de um simples post. Não somos aquilo que acreditamos ser. Somos identidades temporárias. Que nasce, ri, ejacula, faz sexo oral, sofre e depois vai embora. É a lei da impermanência que move o mundo. Querer ir contra isso é pedir para se foder. Sofremos porque nos esforçamos ao máximo para manter uma identidade boa por muito tempo. Sofremos porque não queremos aceitar que tudo muda, o tempo todo. Sofremos porque não sabemos lidar com a mudança. Sofremos porque queremos parar o mundo. Sofremos por não aceitarmos que não podemos fazer nada diante dessas mudanças. Mas, quando você começar a entender o processo da impermanência e da fragilidade das identidades, com certeza se alegrará e saberá lidar mais facilmente com esse processo.

Você certamente já teve alguma namorada na vida. Consegue se lembrar do começo? Quando vocês apenas se paqueravam, flertarvam e, logo em seguida, quando deram o primeiro beijo? Se lembra de como você era naquele tempo? Consegue se lembrar das alegrias, das sensações, de como era bom estar junto da pessoa amada o máximo de tempo possível? Isso deve ter causado muitas alegrias. Agora lembre do fim. Das crises, das brigas sem motivos, dos ciúmes bobos, do final traumatizante. De como você quase morreu depois que esse namoro acabou. De como ela levou sua vida, sua história, seu mundo. Isso certamente lhe causou aflição. Você deve ter ficado um caco, pois, o mundo que havia construído foi levado embora por outra pessoa sem o seu consentimento. Agora tente se lembrar dos meses em que você começou a se recuperar. De quando começou a conhecer outras garotas e a viver de novo. Sair com amigos, comer outras garotas, fazer coisas que nunca pensou ser possível novamente. Você pode não ter percebido, mas nesses três processos, você construiu e abandonou identidades. No primeiro, a sua identidade era a de uma pessoa feliz e plenamente satisfeita. Você se alegrava e fazia questão de alegrar também. No segundo processo, a identidade que surgiu em você foi a do namorado infeliz, acabado, desiludido com o mundo e sem saber o que fazer. No terceiro processo, você começa a se recompor. A identidade que sofria foi embora. Ela já não era mais bem vinda ali. Desse modo, abriu espaço para a próxima. Mas, como isso é possível?

Como falei anteriormente, o mundo é regido pela impermanência, quer você aceite isso ou não. Dessa impermanência, surge uma constante criação de identidades, que por acharmos que é real, acaba por ditar quem somos naquele momento e como devemos agir. Só a partir do momento em que começamos a ter consciência da transitoriedade de nossas identidades, é que iremos entender como funciona o processo. Não é a toa que de acordo com nosso exemplo, no primeiro caso nos alegramos, no segundo sofremos e no terceiro conseguimos rir do nosso sofrimento. Isso porque, apesar da transitoriedade de nossas identidades, há uma que permanece intocada pelas flutuações da vida. Essa identidade é o que chamamos de observador. É ele quem consegue rir depois que você se liberta de algum sofrimento. É ele quem mantém tua integridade quando as coisas não parecem nada boas. É esse observador que te olha quase te sacaneando, quase indo embora, tirando um sarro da tua cara. É ele quem consegue ver além do mar de névoa no qual está inserida sua vida. É ele quem te oferece a liberdade e ele quem dispensa tuas identidades transitórias quando elas já não tem mais nenhuma utilidade. É esse observador que vai te dar a liberdade necessária para resolver os problemas agora e não depois, pois, nossa frustração surge desse atraso: quando resolvemos um problema, já estamos inseridos em outro.

No próximo post continuarei essa abordagem do observador intacto e tentarei explanar o sentido de liberdade oferecido por ele. Então veremos o quanto nossas identidades são frágeis e o quanto a impermanência ajuda no processo de construção de um homem.

(continua...)

3 comentários:

Anne Beatriz. disse...

Eu sempre me impressiono com o que tu escreve. Porque será em?

Will disse...

Porque tu sempre acha que o texto vai ser sério e, quando menos espera, tem uma putaria que tu adoras por lá.

Anne Beatriz. disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkk'