28 de fevereiro de 2011

O psicopata apaixonado

- Então, como tudo começou?

- Como tudo começou?

- Sim, me fale.

- Bom... Vamos lá:

“- Basicamente, eu era acho que, quarta ou quinta série. E no colégio houve uma daquelas excursões, de levar as crianças para algum lugar e voltar na hora certa, sabe...?

...Então, praticamente, foi na estréia do playcenter, sabe o playcenter? Pronto... Hoje em dia é o Mirabilândia.

... Eu estava com meus coleguinhas, e era sempre observado o tamanho para você andar em algum brinquedo. Até que me interessei bastante por um em particular; não era brinquedo. Era a casa do terror do playcenter.

... Eu chamei todos os meus coleguinhas para ir comigo, mas ninguém quis, porque ficavam com medo. Eu já tinha doze anos. (Na época a censura era de doze anos.

... Até que eu comprei o ingresso, e entrei, mas tinha um problema; eu não podia ir sozinho, tive que esperar algum grupo que deixasse eu ir junto.

... Só havia pessoas mais velhas, e ninguém queria a companhia de um pirralha, até porque se presumia que eu ia chorar. Mas eu não ia, eu não ia chorar – não!

... Depois de ter sido rejeitado por vários grupos, eu até fiquei desanimado. Até que um em particular de quatro garotas e dois rapazes estavam entrando. E o cara da portaria perguntou se tinha problema. Alguns ficaram assim, hesitando, outros sem responder. Mas uma garota específica lá, disse: ‘Claro que não, pode vir com a gente’.

... E eu fui; bem animado.

... No começo é assim, eles nos colocavam numa sala bem escura e tal, até que chegava um cara de capuz, bem macabro para assustar. Então ele escolhia um “líder” no grupo. Após escolher o cara mais escroto de lá, as meninas o seguiram e eu fiquei atrás, assustado. Com muito medo.

... As meninas ainda estavam bem, porque ficavam se abraçando, eu não tinha ninguém, além da sensação de medo, também tive a sensação de solidão.

... Foi quando a mesma garota que disse que não havia problema entrar com eles, ELA PEGOU NA MINHA MÃO.

... Então todo o medo, todo o pavor, tudo havia cessado. Eu estava com ela, segurando a mão dela naquele labirinto escuro. Enquanto as outras garotas gritavam, ela ficava comigo, firme e forte. Eu esqueci todo o pânico do mundo, só porque ela havia segurado a minha mão.

... Passamos por diversos sustos, mas eu juro; nada conseguia me assustar – não porque eu estivesse me sentindo com uma sensação de proteção devido a ela segurar minha mão. Na verdade, eu estava tão encantado com aquela garota, que eu podia ver o satanás na minha frente e ainda assim não me assustaria.

... E para a minha infelicidade, o passeio estava terminando, após ver gente aparentemente morta, uma múmia bem sebosa (parecia que tinha saído da restauração), uma tentativa da compilação de frankstein (só que o ator estava emacunhado, um anão com capuz e uma maquiagem para assustar (o fato dele ter sido anão, não assustava ninguém), e finalmente a fase final que era a ponte. De quando deveríamos correr porque todos os personagens teoricamente iriam correr atrás de nós.

... Eu era o menorzinho do grupo, e vi todas as meninas correndo, inclusive a garota que segurou a minha mão. É como ter visto em slow-motion. Acho que todos os atores ficaram putos comigo, porque eu não corria, simplesmente não corria. Andava bem devagar para acompanhar a velocidade da distância que acontecia entre eu e a garota que me deu a mão.”

- Então foi a partir daí que você se tornou um sádico? – Perguntou minha psiquiatra.

- Sádico, o que é isso?

- Vem de sadismo. De gostar de ver os outros sofrerem.

- Não... – Disse eu após refletir um pouco. – Eu apenas gosto de ver mulheres com medo, isso me excita. Só isso.

22 de fevereiro de 2011

Os amantes da ponte

Um dia eu tive um pesadelo...

Quando você está sonhando, já percebeu que de repente, como num súbito tiro, você está em outro lugar no sonho, sob outro contexto ou talvez sob outra atmosfera ou perspectiva. Assim como um súbito tiro você é baleado. EU DISSE VOCÊ É BALEADO. Logo: Também morre quem atira.

Sonhei querida, que estávamos numa ilha deserta, parecia que éramos os protagonistas do filme a lagoa azul. Eu e você, nós nos bastávamos. E por algum motivo, o paraíso estava tão perto, tão perto que a única providência que deveríamos tomar era: piscar os olhos. E piscamos.

(MUDA DE CANAL)

Então sonhei que eu era um rei, e você era minha rainha. E seguíamos confiantes perante nossa dinastia. Tudo que queríamos era um desejo, tínhamos todos os alimentos que quiséssemos, tínhamos vários servos, e sobretudo a obediência leal deles. Uma vida de luxo.

(MUDA DE CANAL)

Sonhei que éramos adolescente da mini-série: BARRADOS NO BAILE. E como você sabe, tudo nos anos oitenta era mais fácil, pelo menos bem mais fácil do que os anos noventa. E naquele contexto americanizado, éramos os maiorais, simplesmente o casal perfeito entre os jovens da nossa época. Éramos de causar inveja. Eu com aquele meu conversível vermelho, porshe modelo 237. Você com aquele cabelo exagerado e um vestido descolado em pleno anos oitenta. Eu e você, fomos os reis e a rainha do baile, respeticamente.

(MUDA DE CANAL)

Sonhei que tudo era em preto e branco, e de repente como num vento levou. Eu lhe beijava com garra, como quem dizia; “você será minha para sempre.E é claro, como qualquer mulher da época você se derretia em slow motion.

(MUDA DE CANAL)

Sonhei que eu era um piloto americano, e estava para ir em plena guerra do Vietnã. Você como boa esposa puritana, estava me esperando, ainda que eu não mandasse notícia. E após um enorme tempo sem novidades minhas, nos nós reencontramos... e finalmente nos beijamos, tivemos filhos, uma casa legal, um salário suficiente para pagar a hipoteca e só.

-Ahhhhhhhh.-

-O que foi, o que foi, meu amor?

-Eu acho que eu fui baleado...

-O que houve?

-Eu... eu... eu tive vários pesadelos, você era rainha do baile e rainha do reino e zás, zás, zás, zás... E eu tinha um porshe, e o vento levou e...

-O que houve?

-Eu... foi terrível, nós vivíamos felizes para sempre e... minha nossa...

-HAHAHA. Foi só um pesadelo meu amor. Vamos está na hora da gente se levantar.

Tudo não passou de um pesadelo, meu anjo.

E lá estávamos nós. Preparando-nos para mais um dia de cão daqueles. Embaixo de uma ponte miserável, suja e sebosa.

Você mal vestida com aquelas roupas fedorentas, aquele sovaco cabeludo à mostra como arte moderna. E eu sem ter nem mesmo uma escova para escovar os dentes.

Estávamos nos preparando mais uma vez para dar golpes, praticar pequenos furtos, trambicar por aí, ou até mendigar se for o desespero. Basta fingir que você está grávida e eu que sou cego e algum cristão caridoso sempre reserva uma moeda grande e pesada de cinqüenta centavos.

E enquanto esperávamos o cara que vendia frutas dar alguma bobeira eu resolvi puxar conversa:

-Sabe, acho que eu deveria começar a rezar para nunca mais ter sonhos daqueles...

-Foi tão ruim assim, meu amor?

-Caramba, foram vários sonhos em uma só noite de sonho... Eu e você estávamos juntos, sempre felizes e materialmente satisfeitos, terrível.

Você deu a risada mais gostosa do mundo a ponto de me fazer vontade em lhe mastigar. E p´ra vários efeitos, eu te beijei como um mendigo.

-Mas você acordou, meu bem, você sempre acorda. Estamos aqui, eu e você vivendo A realidade. Não se preocupe.

-É, eu sei, eu não poderia abdicar essa vida por nada.

-Nem eu... – Enquanto você roubava uma maçã bem vermelha e suculenta. – Aqui nós viajamos a qualquer momento. Podemos caçar em qualquer deserto, ir a qualquer lugar, a qualquer hora, viver como hippies só que melhor, bem melhor.

-Você com seus beijos e abraços podem me deixar cego, surdo e mudo... a qualquer momento.Eu sempre desconfiei disso...

-Eu adoro dormir em cidades desconhecidas. Adoro dormir em cidades das quais eu mal sei o nome, porque quando nós acordamos, simplesmente os costumes e as leis, elas mudam... e nós permanecemos o mesmos.

-E como uma vida de aventuras, sabe... É como viver uma aventura de livro infantil, misturado existencialismo de Sartre e a porra da transmutação de valores de nieztsche.

-Sabe, meu amor, às vezes eu acho que essas pessoas ao nosso redor, elas estão enfeitiçadas, o que as impede de fazer tanta coisa, o que as impede em ser livres?

Após roubar duas bananas, e uma pêra bem fresquinha. Virei em sua direção e disse:

-Será que somos nós os enfeitiçados dessa história toda?

-Hum, talvez, mas eu não me incomodo...

-É, acho que a resposta nunca saberemos.

-Bom, se estamos enfeitiçados, ou se estamos sonhando ou não... não faz diferença. Não faz a menor diferença.

"Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?" (Clarice Linspector)

15 de fevereiro de 2011

Perdendo a mulher em quatro atos

1º ato: seja pegajoso. Aliás, pegajoso é pouco. Seja grudento mesmo. Daqueles chicletes vagabundos, que quando grudam em qualquer superfície, não saem nem com ácido muriático;

2º ato: apenas ser grudento é pouco para quem deseja perder com estilo a mulher. Você não pode, em hipótese nenhuma, deixá-la sentir saudades suas. Melhor, se chegar a cogitar essa possibilidade, pegue o telefone e ligue sem parar para ela. Caso isso não funcione, apele para alguma merda cibernética. Se mesmo assim não obtiver sucesso, vá atrás dela independentemente de onde esteja;

3º ato: desconfie dela o tempo todo. Ela é safada, as amigas delas são safadas, o primo gay dela que escuta Restart é safado e quer enrabar tua mulher. Mais. O mundo quer comer tua mulher. Ela quer te chifrar. É bom que você esteja alerta em relação a isso. Por isso desconfie. Não esteja satisfeito até que consiga alcançar o estágio da paranóia. Se te chamarem de maluco, é tudo intriga da oposição. Ah, não esqueça também de ser ciumento. Desconfiança sem ciúme excessivo é igual a caipirinha com adoçante: uma bela bosta;

4º ato: Na hora do sexo, lembre-se de respeitá-la ao extremo. Não vá simplesmente colocando suas coisas dentro das coisas dela. Peça, pergunte, questione, hesite. Mesmo que isso te faça perder a ereção. Afinal, sua mulher é quase uma santa e detesta putaria. Você poderá queimar no inferno apenas se vagar pela sua cabeça a ideia de bater na cara dela. Xingar? Não seja estúpido. Mulher adora cavaleirismo. Palavras como "amorzinho, princesa, vou encaixar cuidadosamente o meu pipi entre seus lábios vaginais, com todo respeito gostaria que você fizesse um pouco de sexo oral em mim" são frases obrigatórias quando se chega nesse ponto. Portanto, imprima isso e leia para ela na hora;

5º ato: (opcional): Permita que o outro faça o serviço sujo em seu lugar. Assim você fica com a consciência tranquila, a cabeça pesada e a mulher bem comida.


Uma pensadora reclusa em seu momento de reflexão


_______

(Cheguei a essas conclusões enquanto cagava. Qualquer semelhança entre o que foi escrito aqui e o que eu acabei de deixar na privada, não é mera coincidência).

13 de fevereiro de 2011

A incrível história do chaveiro preso no labirinto do peito

Quando eu era pequeno, lembro que meu pai adorava consertar as coisas daqui de casa. E o que ele mais gostava de fazer de fato, por puro hobbie, era consertar portas.Tudo que era referente aos problemas de chaves, ele consertava com o maior prazer, assim como consertava por cortesia aos vizinhos e aos conhecidos.

Era de praxe ver alguém chegando lá em casa dizendo: “Seu Vavá, meu cumpade, destranca essa porta aqui pra mim”. E meu pai tomou tanto gosto por esse hobbie, que além do seu emprego habitual, acabou levando a fama de chaveiro.

Eu, muito criança, apenas o observava. Enquanto ele consertava todos os tipos de porta. Desde que a chave, ou quebrasse, ou emperrasse, ou propriamente o trinco dentro da polegada de metal havia enferrujado, tudo havia uma solução.

Então foi assim que de fato comecei a associar a chave com o coração das pessoas.

Ou foi na segunda ou terceira série. Havia uma garota, muito, mas muito tímida mesmo. Ou ela se chamava Íris ou Ingrid. Lembro que ela era tão tímida, que via todos os coleguinhas comprando alguma coisa na cantina, e ela nunca teve coragem em ir até a moça do caixa.

Até que num dia, na banca dela, eu havia deixado um toddynho. Lembro como se fosse ontem, os olhos dela brilhavam... um gesto tão pequeno e tão significativo. Ela nunca me agradecia, mas eu sabia, que ali eu havia ganhado o coração dela.

Era sempre assim que funcionava: tudo uma questão de equilíbrio. Para você ganhar o coração de alguém, basta tirar aqui, para colocar ali. Sendo mais claro: Todos nós possuímos acessos de dores bastante distintos; para tanto, é preciso entender a alma da pessoa, e assim encontrar o equilíbrio.

Lembro de Letícia, quando sempre ficava esperando pela carona da mãe, e ficava sozinha, triste esperando-a. Provavelmente a solidão a incomodava bastante. E tudo que eu fiz foi, ficar ao lado dela, sem dizer uma palavra. No primeiro dia acredito que ela achou bastante estranho, depois...todos os dias, antes de ir pra casa(porque eu morava perto), ficava uns vinte minutos a mais naquele corredor sozinho, com Letícia, sem dar palavra alguma, apenas fazendo uma companhia silenciosa, que não deixava de ser companhia.

Acredito que só depois de duas semanas, que começamos a nos comunicar mesmo: quando eu sentava para esperar com Letícia , ela dizia “oi”, e no final, dava-me um “tchau”. Já era bom o bastante. Coisa de criança essa dificuldade de comunicação.

Até que um dia eu pegara catapora, e passei uma semana sem ir ao Colégio. Quando retornei, Letícia e Ingrid haviam me perguntado de cara o que aconteceu comigo, deixando claro sua preocupação e saudade.

Sim, eu ganhara o coração delas. Da mesma forma como meu pai destrancava as portas. É tudo uma questão de encaixe, deve haver uma chave para abrir a porta do coração.

Contente, com minha descoberta. Apenas eu aprimorava-a cada vez mais, digamos que o tempo se passava, eu conhecia mais e mais garotas, e era fácil entender seus receios, tocar suas almas, saber suas fobias, suas obsessões e sobretudo seus desejos mais íntimos. Desde uma forma de falar, a uma palavra, uma fonética, uma sensação ou uma piada. O segredo sempre consistia nisso, nas coisas mais subestimáveis, pode-se ganhar o coração de qualquer pessoa.

Até que tudo estava inclinado para mudar:

Sim, mudar e para bem melhor, aos dezesseis anos, depois de tanto tempo a espera. Minha virgindade foi perdida com uma garota bem mais velha, entretanto ela me achava muito “cabeça” , e por isso me escolheu... Disse que ela iria tirar minha virgindade, uma vez que a usurpadora não era mais virgem.

E enquanto eu copulava entre as pernas daquela garota eu pensava: “ah, então é isso...”. Era como entrar dentro de algo delicado. Era como ser um bem te vi e pedir permissão delicadamente para uma flor: “com licença, eu vou retirar um pouco do seu mel”. E se a flor não disser: “À vontade”, melhor nem tentar.

Assim meu charme com as garotas aumentava gradualmente. Era fácil conversar e abrir suas intimidades. Muitas técnicas acabei aprimorando, entre elas, conversava tocando na pessoa bastante. Ou então, apenas olhava para os olhos como quem quer sugá-los. Sempre dava certo.

Assim, eu colecionava, corações e mais corações, como um chaveiro que possuía todas as chaves com o caminho livre para entrar em todas as portas do mundo.

Mas a história não termina aqui.

Não foi em um belo dia em que aconteceu; e sim num dia chuvoso. Vi aquela garota linda, de cabelos e olhos negros, correndo para não ser molhada pela chuva. Podia jurar que apesar do incômodo com o frio, acreditava que ela estava adorando estar na chuva. Acredito que foi isso que me encantara bastante nela, o poder em sempre se sentir a vontade mesmo diante de uma tempestade. Eu queria sugar aquela personalidade dela, e sobretudo...aquela forma com o ela tinha de encarar a vida, permitindo que tudo fluísse.

Não demorou muito para conhecer minha nova vizinha e assim, sempre arrumar alguma desculpa para conversar com ela, seja através de conversas no elevador ou...ajudando-a a estacionar o carro numa garagem bem apertada. Havia vários meios em me aproximar dela.

Até que em um passo sem compasso, nós beijamos e eu vi o céu se congelar. Sim, queria que todos os anjos fossem congelados eternamente para que assim pudéssemos admirá-los, sem que derretesse ao serem colocados no jardim como estátuas.

Ela dava um jeito em deixar tudo congelado, porque nos momentos em que eu estava com ela, bastava aquele riso e eu me perdia no tempo, e o mundo parava, congelava, de fato.

Contudo, eu nunca tive limites: Digamos que eu queria mais e mais do que ela podia me dar, apesar de nem mesmo ela saber o que poderia me dar.Por isso, ela foi embora. Embora não do país em que morávamos, não do estado em que morávamos, não da cidade em que morávamos, nem mesmo do prédio em que vivíamos, mas se retirou da minha vida.

E eu tentei de todos os métodos, modos e técnicas conquistá-la. Tentei utilizar todas as chaves que um dia me serviram para entrar em diferentes portas, mas não. A porta do coração dela simplesmente não abria!

E em um leve tom de desespero, ficava me perguntando do que adiantava entender sobre fechaduras se a porta que eu quero entrar estava simplesmente mais do que fechada. Ninguém entrava, e aparentemente ninguém saía.

-Sabe o que fazemos quando as portas da vida estão fechadas? – Perguntou-me Will Chinaski.

-Não... Na verdade, nem faço idéia. –Respondi.

-Entre pelos fundos.

-Como assim?

-É, pelos fundos... ao menos assim funciona comigo.

Se a vida te fechar todas as portas, entre pelos fundos, pequeno gafanhoto.


Mas nem mesmo as piadas cretinas do meu amigo conseguiam em alegrar.

Quem diria, um dia, eu me vangloriei tanto em acessar qualquer porta, e onde eu mais quero estar, simplesmente não se abre.

Tentei entender todos os resíduos da alma daquela garota.

Era algum problema com a família? Foi abusada sexualmente? Algum amor do passado mal resolvido?

Mas não, não havia resposta, simplesmente.

Nesse grande problema em que minha vida enfrentava, eu estava perdido.

E foi numa frase em latim que alcancei:

Quos Jupiter perdere vult prius dementat. (Formiga, quando quer se perder, cria asas.)

E começava a me questionar se de fato estava fazendo a coisa certa... Será que é se perdendo que se encontra?

Dizem que o ser humano pode se perder numa sensação ou num pensamento, como quem se perde num leve sopro.

Fechei os meus olhos para despertar meus sonhos e aconteceu:

Parte II:

Acredito que o lugar era úmido, ou no mínimo seboso. Mas não cheirava mal. Era como acordar de um desmaio ou pior. Porque você fica bem mais atordoado.

Para entender o que vou lhe contar, esqueça tudo o que você sabe sobre as leis da física, esqueça sobre sensatez, esqueça sobre 2+2 e seu resultado e sobretudo, esqueça tudo sobre contos de fadas.

Ao acordar (Sleeping Inside), eu sabia muito bem onde estava apesar de confuso, presumi que a confusão era porque eu não acreditava no que estava acontecendo, porque era tudo surpreendente demais.

Eu dormi para a realidade,e despertei no coração dela. Sim, era o seu coração... e olhando bem, pude perceber que o lugar havia céu estranho, era como o céu de sua boca, quase intocável. E havia as batidas uniformemente fieis, como tambores silenciosos em que nos recusamos a ouvir. A batida desses tambores sempre falam a verdade.

Era tudo que eu quisera, de certo modo, sempre quis ficar dentro dela... mas uma coisa eu havia percebido, de bastante fácil presunção; estava perdido, perdido no coração dela. Ao menos eu estava dentro, tudo bem(perdoe minha falta de clareza, mas é tão confuso para mim quanto para você, vai por mim), eu estava dentro dela é verdade.

É como se perder na noite sem ter a certeza de voltar.

E por falar em voltar, começava a me preocupar em como eu poderia voltar para a realidade, ou ao menos a minha realidade.

Então, descobri que na verdade, o coração dela nada mais era do que um grande labirinto, e como todo labirinto, deve haver somente uma saída, deve haver somente um caminho para alcançá-la.

“Eu to fudido”. Foi a única coisa sensata que pensara.

Parte III

“Deve haver algum jeito de sair daqui”, pensei.

O raciocínio era o seguinte: Quando alguém se perde num labirinto, o mais viável a ser feito é: marcar seus passos, para que assim, a pessoa que estiver perdida, possa saber quais caminhos lhe falharam e sempre tentar outro caminho, afinal eu tinha todo tempo do mundo.

Nunca pensei que aquela garota pudesse ser tão poderosa a ponto de me fazer perder, e obrigar-me a marcar meus próprios passos. Assim, para distinguir os caminhos dos quais eu já tentara: eu pisava de outra forma, seja na diagonal, seja pisando fechado, seja pisando aberto, ou de diversas formas.

O desespero começava a me atacar, a idéia de passar uma eternidade naquela sensação perdida, começava a me apavorar, ainda que eu ousasse a acreditar que aquilo era tão somente um sonho e a qualquer momento eu poderia despertar.

Entretanto, eu não queria esperar a bondade de alguma coisa, interna ou externa me acordar.

Após várias tentativas, na brecha da quina daquele labirinto assustador; havia uma luz, uma pequena centelha, e por esse centelha eu decidi seguir. Dizem que sempre há uma luz no fim do túnel. Certamente porque não há túnel infinito.

Não era um bom momento e lugar para falar em infinito, para alguém que só anseia a saída, basta a sensação da liberdade não em sair de lá, mas de não mais se sentir perdido. Era isso o que me incomodava era estar me sentindo perdido, logo preso.

Havia uma porta entreaberta, era dessa abertura pequena fonte da luz que emanava minha saída.

Tudo bem, eu abriria a porta, sairia do coração dela... E depois?

Um frio me tocou dos pés à cabeça, um arrepio continuo em não saber do que vem depois. Imagino o que se passa na cabeça daqueles em que finalmente conseguem subir num topo e após estar lá, o que vem depois?

Apesar da súbita vontade em estar dentro do coração dela, eu não poderia nunca, de forma alguma pertencer a um lugar que me sentisse sozinho. Mas como pirraça, eu não iria deixar barato: simplesmente não iria pedir pinico e me retirar dali do nada, sem nada.

Foi quando eu tive a brilhante idéia:

“Tudo bem, eu posso até sair daqui, mas eu vou deixar algo, algo que eu julgo de maior preciosidade, o que eu consegui aprimorar de belo...”. Foi quando eu decidi deixar todas as chaves que acumulei. As chaves que entravam em diferentes portas, levavam a coração diferentes. Então decidi deixar naquele labirinto.

Há vários teorias para explicar minha atitude, mas nenhuma delas para ser efetivamente convincente.

Posso quase jurar que para abrir uma nova porta, é preciso fechar uma antiga.

Foi a única forma que eu tive de marcá-la, única forma que eu tinha em mãos, única forma que estava sob a minha capacidade de que ela lembrasse de mim. Em troca da minha liberdade, eu compensei com o chaveiro que me levava para todos os corações.

Parece um bom negócio, parece um bom negócio...

Aquilo que pelo homem não é conhecido, ou sabido, vaga pela noite, através do labirinto do peito (Goethe).

9 de fevereiro de 2011

Aquele tipo de texto que se faz de madrugada

É bem verdade que no primeiro momento, eu te vi de cara, bem distante. A ponto de me esforçar o máximo, mas o máximo mesmo para que você não me avistasse.

Assim, tive de manter minha vista concentrada sempre mirando atentamente em canto, ou algum ponto, fingir-me um pouco de indiferente talvez até esperar que você viesse falar comigo, afinal, eu já fizera o bastante, eu sempre faço o bastante.

Era na rua, à noite, bem em frente a uma praça, onde os jovens costumavam se reunir para beber e etc... E você estava lá na companhia das suas amigas.

Eu pensei; “Vou jogar a isca para ela pescar... vou montar meu picadeiro para ela cair.”. Então tive a brilhante idéia em ir até a praia, mas num lugar em que você me notasse, até que você tivesse a boa vontade em ir até lá falar comigo.

Enquanto você não se aproximava, eu simplesmente fazia um grande sinal na areia, quem olhasse de longe, pensaria que algum louco estava tão somente desenhando um grande círculo.

E você veio, eu vi sua sombra se aproximando do meu circo, do circo pelo qual eu estava dentro.

-Olá! – Você disse com certo entusiasmo, esperando me pegar de surpresa, acredito.

-Por que demorou tanto? – Eu respondi.

Você achava, JURAVA que eu estaria surpreso, mas afinal foi você quem ficou bastante surpresa...Porque eu sempre fui direto mesmo, e tudo tem seu limite até fingimento.

-Faz tempo que a gente não se fala, n é ? – Você tentando quebrar o gelo e aquele clima mórbido.

Foi quando eu olhei p´ra você pela primeira vez , depois de tanto tempo, olhando diretamente nos seus olhos, dos quais eu já os conhecia bem.

-Você veio aqui falar comigo por educação, consideração ou por algo mais...?

Você não soube como responder e até respirou profundamente.

-Tudo bem, você não imagina o que eu fiz hoje, por isso morrendo de sono. – Eu falei só para quebrar o gelo. Até que você perguntou:

- O que você fez tanto hoje?

-Você gosta de nuvens?

-O quê? – Eu sabia que você não entenderia minha mudança de assunto tão brusca.

Eu soltei uma risada e me aproximei de você;

-Você vai entender porque eu mudei de assunto, vai por mim.

Então você disse há quanto tempo estava na cidade com as amigas e etc... O que vocês jantaram e quais as expectativas para o resto do final de semana.

-Você chegou a estudar um pouco de Freud , sonhos, não foi?

-Foi... – Você disse assustada.

Você não percebera mas até então estava dentro daquele círculo que eu desenhei através do meu dedo, na areia da praia.

-Sabe... Eu tive um sonho um dia, e é o tipo de coisa que... assusta em ser dito e sobretudo no seu significado.

Eu conheço muito bem o rosto que você faz quando diz que é para eu prosseguir.

-Então... – Continuei. – Eu sonhei um dia em que eu estava com você, passeando nas nuvens, sabe? Andávamos de mãos dadas. Era legal. Era leve, puro, solto... Até que você se afastara de mim dentro da nuvem. Havia anjos , vários deles em outras nuvens, mas aquela, era a nossa nuvem e acho que ninguém se importava em delimitar território. Bom, o fato é que houve um perigo em você ter se afastado. Eu devia ter te dito, para se caminhar nas nuvens é necessário que você pise com leveza, e desde que você partiu, nunca mais foi leve.


Um dia me disseram, que as nuvens não eram de algodão...


Olhei bem para você, e você estava intacta.

-Você estava em perigo. – Eu disse.

-E depois, o que houve...? – Você perguntou.

-Então, é necessário pisar com leveza e firmeza ao mesmo tempo e você estava cambaleando ...hesitando. Até que o inevitável aconteceu , você caiu de muito alto, mas de muito alto mesmo.

O que eu me surpreendi foi não ver nenhuma expressão no seu rosto, apenas estava atenta demais.

-Enquanto você caia, parecia em câmera lenta, bem exagerado mesmo...Eu olhava para os anjos e todos eles nos observavam. Eu ficava com muita raiva deles porque eles foram omissos, não moveram um dedo, apenas nos observando com aquelas enormes asas, e não as usaram! Eu fiquei muito, mas muito puto com tudo que era angelical e o resto.

Fiz uma pausa de propósito para engolir minha própria saliva e não me perder numa emoção.

-E então...- Eu disse.Eu não pude suportar, não pude mesmo, me perdoe, mas aquilo era muito p´ra mim. Ver você caindo aos poucos. Só de pensar na dor e no desespero que você estava sentindo, aquilo me torturava por dentro. Até que eu... em plena consciência pulei da nuvem, pulei só para que você soubesse; que você não estava sozinha, que você podia contar comigo, que eu estaria ao seu lado, eu queria muito que você soubesse que até que nós caíssemos , até a nossa queda , até o impacto, estávamos juntos e aquele momento foi o máximo. Eu só queria te alcançar, te tocar enquanto você caia...

Eu parei de falar e fiquei observando o horizonte só um pouco, como se eu estivesse procurando a nuvem que você poderia cair.

Então você entendeu porque eu desenhara aquele círculo, para demonstrar teatralmente onde estávamos pisando e a nuvem que estava representando.

-Você com se m AL çar?

-A n?

-Você conseguia me alcançar? – Subitamente, nem eu esperava por essa pergunta.

-Eu não sei, eu gostaria muito de ter te alcançado... muito mesmo. Mas o sonho acabou e não acordei legal, não... foi meio traumatizando, sabe?

Você abaixou a cabeça sem ter o que dizer.

Eu entendi, claro.

-É por isso que eu não posso...eu tenho que me manter afastado. Porque se você estiver comigo, provavelmente vai cair, e eu não agüentaria lhe ver caindo daquela forma, outra vez.

Você poderia ter dito: “Mas você pode cair comigo...”, “Mas você está comigo...”, “Mas” , “Mas” , “Mas” ...

Mas nada você disse.

Até que me aproximei de você, olhando bem na janela da sua alma. Beijei meu próprio polegar direito e com o polegar aproximei do seu lábio. Acredito que é a melhor forma de beijar sem fazer estragos...

Foi quando eu não precisei dizer adeus, naquele clima tenso ou atmosfera triste, naquele estranho paraíso do qual nós estávamos perdidos, até que a eternidade terminasse.

E fui caminhando pela praia em sentido contrário ao seu, claro. Não como quem estava fugindo, mas como quem estava sangrando.

E confesso que eu dava preferência ao caminho em que havia mais penumbra. Não que eu estivesse me escondendo, fugindo ou sei lá o quê, apenas... eu me identificava com elas, as sombras.