13 de fevereiro de 2011

A incrível história do chaveiro preso no labirinto do peito

Quando eu era pequeno, lembro que meu pai adorava consertar as coisas daqui de casa. E o que ele mais gostava de fazer de fato, por puro hobbie, era consertar portas.Tudo que era referente aos problemas de chaves, ele consertava com o maior prazer, assim como consertava por cortesia aos vizinhos e aos conhecidos.

Era de praxe ver alguém chegando lá em casa dizendo: “Seu Vavá, meu cumpade, destranca essa porta aqui pra mim”. E meu pai tomou tanto gosto por esse hobbie, que além do seu emprego habitual, acabou levando a fama de chaveiro.

Eu, muito criança, apenas o observava. Enquanto ele consertava todos os tipos de porta. Desde que a chave, ou quebrasse, ou emperrasse, ou propriamente o trinco dentro da polegada de metal havia enferrujado, tudo havia uma solução.

Então foi assim que de fato comecei a associar a chave com o coração das pessoas.

Ou foi na segunda ou terceira série. Havia uma garota, muito, mas muito tímida mesmo. Ou ela se chamava Íris ou Ingrid. Lembro que ela era tão tímida, que via todos os coleguinhas comprando alguma coisa na cantina, e ela nunca teve coragem em ir até a moça do caixa.

Até que num dia, na banca dela, eu havia deixado um toddynho. Lembro como se fosse ontem, os olhos dela brilhavam... um gesto tão pequeno e tão significativo. Ela nunca me agradecia, mas eu sabia, que ali eu havia ganhado o coração dela.

Era sempre assim que funcionava: tudo uma questão de equilíbrio. Para você ganhar o coração de alguém, basta tirar aqui, para colocar ali. Sendo mais claro: Todos nós possuímos acessos de dores bastante distintos; para tanto, é preciso entender a alma da pessoa, e assim encontrar o equilíbrio.

Lembro de Letícia, quando sempre ficava esperando pela carona da mãe, e ficava sozinha, triste esperando-a. Provavelmente a solidão a incomodava bastante. E tudo que eu fiz foi, ficar ao lado dela, sem dizer uma palavra. No primeiro dia acredito que ela achou bastante estranho, depois...todos os dias, antes de ir pra casa(porque eu morava perto), ficava uns vinte minutos a mais naquele corredor sozinho, com Letícia, sem dar palavra alguma, apenas fazendo uma companhia silenciosa, que não deixava de ser companhia.

Acredito que só depois de duas semanas, que começamos a nos comunicar mesmo: quando eu sentava para esperar com Letícia , ela dizia “oi”, e no final, dava-me um “tchau”. Já era bom o bastante. Coisa de criança essa dificuldade de comunicação.

Até que um dia eu pegara catapora, e passei uma semana sem ir ao Colégio. Quando retornei, Letícia e Ingrid haviam me perguntado de cara o que aconteceu comigo, deixando claro sua preocupação e saudade.

Sim, eu ganhara o coração delas. Da mesma forma como meu pai destrancava as portas. É tudo uma questão de encaixe, deve haver uma chave para abrir a porta do coração.

Contente, com minha descoberta. Apenas eu aprimorava-a cada vez mais, digamos que o tempo se passava, eu conhecia mais e mais garotas, e era fácil entender seus receios, tocar suas almas, saber suas fobias, suas obsessões e sobretudo seus desejos mais íntimos. Desde uma forma de falar, a uma palavra, uma fonética, uma sensação ou uma piada. O segredo sempre consistia nisso, nas coisas mais subestimáveis, pode-se ganhar o coração de qualquer pessoa.

Até que tudo estava inclinado para mudar:

Sim, mudar e para bem melhor, aos dezesseis anos, depois de tanto tempo a espera. Minha virgindade foi perdida com uma garota bem mais velha, entretanto ela me achava muito “cabeça” , e por isso me escolheu... Disse que ela iria tirar minha virgindade, uma vez que a usurpadora não era mais virgem.

E enquanto eu copulava entre as pernas daquela garota eu pensava: “ah, então é isso...”. Era como entrar dentro de algo delicado. Era como ser um bem te vi e pedir permissão delicadamente para uma flor: “com licença, eu vou retirar um pouco do seu mel”. E se a flor não disser: “À vontade”, melhor nem tentar.

Assim meu charme com as garotas aumentava gradualmente. Era fácil conversar e abrir suas intimidades. Muitas técnicas acabei aprimorando, entre elas, conversava tocando na pessoa bastante. Ou então, apenas olhava para os olhos como quem quer sugá-los. Sempre dava certo.

Assim, eu colecionava, corações e mais corações, como um chaveiro que possuía todas as chaves com o caminho livre para entrar em todas as portas do mundo.

Mas a história não termina aqui.

Não foi em um belo dia em que aconteceu; e sim num dia chuvoso. Vi aquela garota linda, de cabelos e olhos negros, correndo para não ser molhada pela chuva. Podia jurar que apesar do incômodo com o frio, acreditava que ela estava adorando estar na chuva. Acredito que foi isso que me encantara bastante nela, o poder em sempre se sentir a vontade mesmo diante de uma tempestade. Eu queria sugar aquela personalidade dela, e sobretudo...aquela forma com o ela tinha de encarar a vida, permitindo que tudo fluísse.

Não demorou muito para conhecer minha nova vizinha e assim, sempre arrumar alguma desculpa para conversar com ela, seja através de conversas no elevador ou...ajudando-a a estacionar o carro numa garagem bem apertada. Havia vários meios em me aproximar dela.

Até que em um passo sem compasso, nós beijamos e eu vi o céu se congelar. Sim, queria que todos os anjos fossem congelados eternamente para que assim pudéssemos admirá-los, sem que derretesse ao serem colocados no jardim como estátuas.

Ela dava um jeito em deixar tudo congelado, porque nos momentos em que eu estava com ela, bastava aquele riso e eu me perdia no tempo, e o mundo parava, congelava, de fato.

Contudo, eu nunca tive limites: Digamos que eu queria mais e mais do que ela podia me dar, apesar de nem mesmo ela saber o que poderia me dar.Por isso, ela foi embora. Embora não do país em que morávamos, não do estado em que morávamos, não da cidade em que morávamos, nem mesmo do prédio em que vivíamos, mas se retirou da minha vida.

E eu tentei de todos os métodos, modos e técnicas conquistá-la. Tentei utilizar todas as chaves que um dia me serviram para entrar em diferentes portas, mas não. A porta do coração dela simplesmente não abria!

E em um leve tom de desespero, ficava me perguntando do que adiantava entender sobre fechaduras se a porta que eu quero entrar estava simplesmente mais do que fechada. Ninguém entrava, e aparentemente ninguém saía.

-Sabe o que fazemos quando as portas da vida estão fechadas? – Perguntou-me Will Chinaski.

-Não... Na verdade, nem faço idéia. –Respondi.

-Entre pelos fundos.

-Como assim?

-É, pelos fundos... ao menos assim funciona comigo.

Se a vida te fechar todas as portas, entre pelos fundos, pequeno gafanhoto.


Mas nem mesmo as piadas cretinas do meu amigo conseguiam em alegrar.

Quem diria, um dia, eu me vangloriei tanto em acessar qualquer porta, e onde eu mais quero estar, simplesmente não se abre.

Tentei entender todos os resíduos da alma daquela garota.

Era algum problema com a família? Foi abusada sexualmente? Algum amor do passado mal resolvido?

Mas não, não havia resposta, simplesmente.

Nesse grande problema em que minha vida enfrentava, eu estava perdido.

E foi numa frase em latim que alcancei:

Quos Jupiter perdere vult prius dementat. (Formiga, quando quer se perder, cria asas.)

E começava a me questionar se de fato estava fazendo a coisa certa... Será que é se perdendo que se encontra?

Dizem que o ser humano pode se perder numa sensação ou num pensamento, como quem se perde num leve sopro.

Fechei os meus olhos para despertar meus sonhos e aconteceu:

Parte II:

Acredito que o lugar era úmido, ou no mínimo seboso. Mas não cheirava mal. Era como acordar de um desmaio ou pior. Porque você fica bem mais atordoado.

Para entender o que vou lhe contar, esqueça tudo o que você sabe sobre as leis da física, esqueça sobre sensatez, esqueça sobre 2+2 e seu resultado e sobretudo, esqueça tudo sobre contos de fadas.

Ao acordar (Sleeping Inside), eu sabia muito bem onde estava apesar de confuso, presumi que a confusão era porque eu não acreditava no que estava acontecendo, porque era tudo surpreendente demais.

Eu dormi para a realidade,e despertei no coração dela. Sim, era o seu coração... e olhando bem, pude perceber que o lugar havia céu estranho, era como o céu de sua boca, quase intocável. E havia as batidas uniformemente fieis, como tambores silenciosos em que nos recusamos a ouvir. A batida desses tambores sempre falam a verdade.

Era tudo que eu quisera, de certo modo, sempre quis ficar dentro dela... mas uma coisa eu havia percebido, de bastante fácil presunção; estava perdido, perdido no coração dela. Ao menos eu estava dentro, tudo bem(perdoe minha falta de clareza, mas é tão confuso para mim quanto para você, vai por mim), eu estava dentro dela é verdade.

É como se perder na noite sem ter a certeza de voltar.

E por falar em voltar, começava a me preocupar em como eu poderia voltar para a realidade, ou ao menos a minha realidade.

Então, descobri que na verdade, o coração dela nada mais era do que um grande labirinto, e como todo labirinto, deve haver somente uma saída, deve haver somente um caminho para alcançá-la.

“Eu to fudido”. Foi a única coisa sensata que pensara.

Parte III

“Deve haver algum jeito de sair daqui”, pensei.

O raciocínio era o seguinte: Quando alguém se perde num labirinto, o mais viável a ser feito é: marcar seus passos, para que assim, a pessoa que estiver perdida, possa saber quais caminhos lhe falharam e sempre tentar outro caminho, afinal eu tinha todo tempo do mundo.

Nunca pensei que aquela garota pudesse ser tão poderosa a ponto de me fazer perder, e obrigar-me a marcar meus próprios passos. Assim, para distinguir os caminhos dos quais eu já tentara: eu pisava de outra forma, seja na diagonal, seja pisando fechado, seja pisando aberto, ou de diversas formas.

O desespero começava a me atacar, a idéia de passar uma eternidade naquela sensação perdida, começava a me apavorar, ainda que eu ousasse a acreditar que aquilo era tão somente um sonho e a qualquer momento eu poderia despertar.

Entretanto, eu não queria esperar a bondade de alguma coisa, interna ou externa me acordar.

Após várias tentativas, na brecha da quina daquele labirinto assustador; havia uma luz, uma pequena centelha, e por esse centelha eu decidi seguir. Dizem que sempre há uma luz no fim do túnel. Certamente porque não há túnel infinito.

Não era um bom momento e lugar para falar em infinito, para alguém que só anseia a saída, basta a sensação da liberdade não em sair de lá, mas de não mais se sentir perdido. Era isso o que me incomodava era estar me sentindo perdido, logo preso.

Havia uma porta entreaberta, era dessa abertura pequena fonte da luz que emanava minha saída.

Tudo bem, eu abriria a porta, sairia do coração dela... E depois?

Um frio me tocou dos pés à cabeça, um arrepio continuo em não saber do que vem depois. Imagino o que se passa na cabeça daqueles em que finalmente conseguem subir num topo e após estar lá, o que vem depois?

Apesar da súbita vontade em estar dentro do coração dela, eu não poderia nunca, de forma alguma pertencer a um lugar que me sentisse sozinho. Mas como pirraça, eu não iria deixar barato: simplesmente não iria pedir pinico e me retirar dali do nada, sem nada.

Foi quando eu tive a brilhante idéia:

“Tudo bem, eu posso até sair daqui, mas eu vou deixar algo, algo que eu julgo de maior preciosidade, o que eu consegui aprimorar de belo...”. Foi quando eu decidi deixar todas as chaves que acumulei. As chaves que entravam em diferentes portas, levavam a coração diferentes. Então decidi deixar naquele labirinto.

Há vários teorias para explicar minha atitude, mas nenhuma delas para ser efetivamente convincente.

Posso quase jurar que para abrir uma nova porta, é preciso fechar uma antiga.

Foi a única forma que eu tive de marcá-la, única forma que eu tinha em mãos, única forma que estava sob a minha capacidade de que ela lembrasse de mim. Em troca da minha liberdade, eu compensei com o chaveiro que me levava para todos os corações.

Parece um bom negócio, parece um bom negócio...

Aquilo que pelo homem não é conhecido, ou sabido, vaga pela noite, através do labirinto do peito (Goethe).

3 comentários:

Lua disse...

Muito bom!

;)

Anônimo disse...

Tá ficando cada vez melhor Steel.

Thais L. disse...

Muito massa!
Eu pensei em Woody Allen, algo me lembrou bastante.