22 de fevereiro de 2011

Os amantes da ponte

Um dia eu tive um pesadelo...

Quando você está sonhando, já percebeu que de repente, como num súbito tiro, você está em outro lugar no sonho, sob outro contexto ou talvez sob outra atmosfera ou perspectiva. Assim como um súbito tiro você é baleado. EU DISSE VOCÊ É BALEADO. Logo: Também morre quem atira.

Sonhei querida, que estávamos numa ilha deserta, parecia que éramos os protagonistas do filme a lagoa azul. Eu e você, nós nos bastávamos. E por algum motivo, o paraíso estava tão perto, tão perto que a única providência que deveríamos tomar era: piscar os olhos. E piscamos.

(MUDA DE CANAL)

Então sonhei que eu era um rei, e você era minha rainha. E seguíamos confiantes perante nossa dinastia. Tudo que queríamos era um desejo, tínhamos todos os alimentos que quiséssemos, tínhamos vários servos, e sobretudo a obediência leal deles. Uma vida de luxo.

(MUDA DE CANAL)

Sonhei que éramos adolescente da mini-série: BARRADOS NO BAILE. E como você sabe, tudo nos anos oitenta era mais fácil, pelo menos bem mais fácil do que os anos noventa. E naquele contexto americanizado, éramos os maiorais, simplesmente o casal perfeito entre os jovens da nossa época. Éramos de causar inveja. Eu com aquele meu conversível vermelho, porshe modelo 237. Você com aquele cabelo exagerado e um vestido descolado em pleno anos oitenta. Eu e você, fomos os reis e a rainha do baile, respeticamente.

(MUDA DE CANAL)

Sonhei que tudo era em preto e branco, e de repente como num vento levou. Eu lhe beijava com garra, como quem dizia; “você será minha para sempre.E é claro, como qualquer mulher da época você se derretia em slow motion.

(MUDA DE CANAL)

Sonhei que eu era um piloto americano, e estava para ir em plena guerra do Vietnã. Você como boa esposa puritana, estava me esperando, ainda que eu não mandasse notícia. E após um enorme tempo sem novidades minhas, nos nós reencontramos... e finalmente nos beijamos, tivemos filhos, uma casa legal, um salário suficiente para pagar a hipoteca e só.

-Ahhhhhhhh.-

-O que foi, o que foi, meu amor?

-Eu acho que eu fui baleado...

-O que houve?

-Eu... eu... eu tive vários pesadelos, você era rainha do baile e rainha do reino e zás, zás, zás, zás... E eu tinha um porshe, e o vento levou e...

-O que houve?

-Eu... foi terrível, nós vivíamos felizes para sempre e... minha nossa...

-HAHAHA. Foi só um pesadelo meu amor. Vamos está na hora da gente se levantar.

Tudo não passou de um pesadelo, meu anjo.

E lá estávamos nós. Preparando-nos para mais um dia de cão daqueles. Embaixo de uma ponte miserável, suja e sebosa.

Você mal vestida com aquelas roupas fedorentas, aquele sovaco cabeludo à mostra como arte moderna. E eu sem ter nem mesmo uma escova para escovar os dentes.

Estávamos nos preparando mais uma vez para dar golpes, praticar pequenos furtos, trambicar por aí, ou até mendigar se for o desespero. Basta fingir que você está grávida e eu que sou cego e algum cristão caridoso sempre reserva uma moeda grande e pesada de cinqüenta centavos.

E enquanto esperávamos o cara que vendia frutas dar alguma bobeira eu resolvi puxar conversa:

-Sabe, acho que eu deveria começar a rezar para nunca mais ter sonhos daqueles...

-Foi tão ruim assim, meu amor?

-Caramba, foram vários sonhos em uma só noite de sonho... Eu e você estávamos juntos, sempre felizes e materialmente satisfeitos, terrível.

Você deu a risada mais gostosa do mundo a ponto de me fazer vontade em lhe mastigar. E p´ra vários efeitos, eu te beijei como um mendigo.

-Mas você acordou, meu bem, você sempre acorda. Estamos aqui, eu e você vivendo A realidade. Não se preocupe.

-É, eu sei, eu não poderia abdicar essa vida por nada.

-Nem eu... – Enquanto você roubava uma maçã bem vermelha e suculenta. – Aqui nós viajamos a qualquer momento. Podemos caçar em qualquer deserto, ir a qualquer lugar, a qualquer hora, viver como hippies só que melhor, bem melhor.

-Você com seus beijos e abraços podem me deixar cego, surdo e mudo... a qualquer momento.Eu sempre desconfiei disso...

-Eu adoro dormir em cidades desconhecidas. Adoro dormir em cidades das quais eu mal sei o nome, porque quando nós acordamos, simplesmente os costumes e as leis, elas mudam... e nós permanecemos o mesmos.

-E como uma vida de aventuras, sabe... É como viver uma aventura de livro infantil, misturado existencialismo de Sartre e a porra da transmutação de valores de nieztsche.

-Sabe, meu amor, às vezes eu acho que essas pessoas ao nosso redor, elas estão enfeitiçadas, o que as impede de fazer tanta coisa, o que as impede em ser livres?

Após roubar duas bananas, e uma pêra bem fresquinha. Virei em sua direção e disse:

-Será que somos nós os enfeitiçados dessa história toda?

-Hum, talvez, mas eu não me incomodo...

-É, acho que a resposta nunca saberemos.

-Bom, se estamos enfeitiçados, ou se estamos sonhando ou não... não faz diferença. Não faz a menor diferença.

"Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?" (Clarice Linspector)

3 comentários:

Steel disse...

Não é por nada, não, mas...
O post anterior é bem melhor. Infinitamente melhor.

Lua disse...

Eu adorei esse! Seu românticoooo, seu apaixonaaado! Voltou a inspiração hein!
Beijos coisa linda!

"Não faz diferença... não faz a menor diferença" - é isso que falta em muitos, não fazer diferença ;)

Steel disse...

de onde vem tanta gente da porra desse blog?