14 de outubro de 2010

Do nosso observador intacto ou da minha vontade de me tornar um Paulo Coelho

Esta é uma continuação do post "De nossas máscaras e da impermanência de nossas identidades", no qual foi tratado de modo breve a questão do observador intacto. Esse ser que está o tempo todo nos acompanhando, nos vendo sofrer, sorrir, se alegrar, chorar, meter, gozar, dar tapa na bunda, mas que ao mesmo tempo está livre de tudo isso. Chamamos esse ser de observador intacto justamente porque ele sempre está livre de nossas flutuações, mesmo que a princípio não percebamos isso. Ele está além de nós e para achá-lo precisamos procurar alguém em nós que não seja nós mesmos. Confuso isso, não? ;-)

Quando estamos imersos em sofrimento, frustração, raiva, desespero ou algo parecido, solidificamos tanto aquilo que achamos que nunca vai passar. Assumimos a identidade da pessoa sofrida e esquecemos a lei da impermanência. Depois de algum tempo, aquela mesma pessoa que sofria não só consegue rir de tudo aquilo como também ainda faz piada. O que aconteceu? A identidade sofrida morreu. O ser que solidificava as coisas foi embora. Contudo, há um observador profundo que vai muito além de nossas oscilações de humor e que nunca vai embora nem morre. Ele é o responsável por tua liberdade no momento em que você se encontra no olho do turbilhão. E nossa dificuldade em perceber isso se dá justamente porque no momento em que saímos de um, já nos preparamos para entrar em outro. De fato, quase nunca paramos para conversar com esse ser. Sempre que temos oportunidade, evitamos o encontro com ele. Justamente porque ele jogará em nossa cara nossas limitações e irá fazer piada de nossas fraquezas. Mostrará que nossa capacidade de resolver problemas é limitada pelo simples motivo de que esquecemos a leveza das coisas. Não é questão de se aventurar numa vida irresponsável. É dar às coisas seu devido peso. E só. Um fim de namoro parece um fardo duro de se carregar porque não temos naquele momento a liberdade de entender que ciclos começam e acabam. Nosso observador se encarrega de fazer isso. Ele sacaneia conosco. Ele não se identifica com nada. Apenas surfa no que o momento oferece. Se é oferecido uma marola, ele faz de tudo para aproveitá-la. Se é oferecido um Tsunami, ele tenta não se afogar. Nosso observador consegue tirar proveito de qualquer tipo de situação que lhe é oferecido. Ele não rótula as coisas como boas ou ruins. Apenas aceita o que o momento traz. E o que é melhor: ele vê tudo como experiência, seja sofrimento, seja alegria. Diferentemente de nós que nos abrimos plenamente para a felicidade e nos fechamos completamente para a dor. Nosso observador intacto sabe que a vida de um homem não é feita só de alegria, nem só de acertos, nem só de virtudes. Nosso observador entende que momentos difíceis, erros e defeitos são necessários e, por isso, aceita tudo como é, sem rotular nada, sem se identificar com nada, sem solidificar nada. É dessa atitude que nasce a nossa liberdade. Pena que nem sempre temos tempo para pensar nisso. Pulamos de uma situação para outra num piscar de olhos. Saímos de um casamento para outro com uma facilidade absurda. Escondemos nossos problemas com um sorriso perdedor. Afogamos nossas desculpas no mais gelado copo de cerveja. Tudo isso porque talvez tenhamos medo de saber quem somos na essência. Fugimos do maior encontro que um homem pode ter: você e você.

Basicamente, seria essa a função do observador intacto. Ir além das flutuações e manter a lucidez que te faz encontrar o rumo das coisas novamente. No entanto, penso que essa abordagem é bastante genérica e não quero de modo algum limitá-la a apenas isso. Cabe a você encontrar esse observador e se conectar do modo que melhor lhe convir quanto a isso. E uma prática bastante simples para desenvolver liberdade e ter uma conexão melhor com esse ser intacto é a auto-observação. Esse processo consiste em se manter consciente de si mesmo em qualquer tipo de situação. Um exemplo: um amigo te falou umas verdades e você ficou puto. Tente se lembrar nesse exato momento de você ficando puto. Das sensações, das emoções perturbadoras, dos insights. “Eu não sei se criticado sem querer me defender.” Ou então passa uma gostosa do seu lado e você fica molhadinho: “fiquei de pau duro com o decote dessa gostosa.” Enfim, tente colocar consciência em suas ações, lembrando-se o tempo todo de si mesmo. Desse modo, você acaba desenvolvendo tamanha liberdade de si mesmo e dos outros e das situações que quando vir novamente o turbilhão, irá sossegadamente empinar pipa ao lado do seu observador intacto. Sorrindo. Leve. Quase voando. Quase indo embora.

2 comentários:

Rê disse...

Preciso marcar um encontro com o meu observador e ter uma conversinha. Estamos desconectados, infelizmente.

rhaissa quirino disse...

...e se for lhe oferecido um bugue?! "ele" tenta surfar?
kkkkkkk ;)