9 de agosto de 2011

Na nossa casa

Saudade, dizia o poeta: “palavra triste quando se perde um grande amor. Na estrada longa da vida, eu vou chorando a minha dor.” É tudo tão confuso. É como em um filme. É como em uma música. É como na história de Lucca Domini. A curta história de amor de Lucca Domini. Depois de ser abandonado pela amada (nada mais clichê do que isso), Lucca resolve fazer uma breve retrospectiva de seu recente passado amoroso com M. Antes de tudo, precisamos esclarecer quem é Lucca.

Escritor, amante das artes, romântico, bom moço, apreciador de vinhos, educado e outros atributos que não caberiam aqui. Esse é Lucca Domini. Um jovem sonhador, idealista, e, em alguns momentos, ingênuo. Acredita no mundo e nas pessoas. Tem uma coragem de leão e uma paciência de Jó. Sabe tratar bem as mulheres e jamais se relacionou com alguma para não fazê-la feliz. O jovem Lucca é uma espécie de Casanova do bem. Se é que podemos dizer isso. Sabe como conquistar as mulheres, mas, só toma iniciativa, de fato, se houver um desejo genuíno nisso. Lucca é do tipo de cara que detesta sacanagem. Considera-se homem de uma mulher só e abomina traição. Acha lindo o amor recíproco entre casais. Contudo, ele acredita que, se por algum motivo, um dia o amor acabar, é mais digno ferir a pessoa amada com a verdade do que iludi-la com a mentira de um castelo de areia. Só que a vida prega peças. No único dia em que Lucca sentiu isso na pele, na única vez em que uma mulher ousou recusá-lo, na única ocasião em que Lucca não conseguiu reconquistar o amor dessa mulher, cujo nome só sabemos a primeira letra, ele, antes de agir de modo precipitado, nos presenteou com esse singelo relato:

22/01/2011

Quando anoiteceu, nenhuma luz na nossa casa se acendeu...

-Chego em casa, M., e o vazio deixado por você me consome. Não acredito que tudo tenha terminado assim, de forma tão inesperada. Essa casa, M., essa casa foi durante anos nosso refúgio de amor. E agora o que resta apenas são minhas lamentações, teu retrato sorrindo e eu. É só isso que resta... As luzes, M., as luzes estão todas apagadas. A única coisa que ainda não se apagou é a esperança de ter você de volta. Esperança, sentimento que mina toda a razão do homem...

23/01/2011

Aonde você estava...

Penso tanto em você nos últimos dias. Sonho contigo e te vejo em outras mulheres. As únicas coisas que consigo escrever são cartas para você, M. cartas que nunca enviarei, pois, faz tempo que eu me perdi de você. Onde você está M.? Por que nem um sinal? Por que nem uma palavra? Por que nem uma explicação? Não seja cruel, M. Não precisava tanto, não precisava sumir, não precisava mudar de lugar...

24/01/2011

Aonde estava eu...

E eu? Onde estou agora? O que sou agora? Onde eu estava quando você me reclamava mais atenção? Por onde eu andava quando você pedia só um pouco mais de carinho, M.? Onde eu estava com a cabeça quando resolvi te deixar de lado, achando que nunca iria te perder? Por que eu tenho que pagar um preço tão alto pela minha prepotência? Por que eu não posso simplesmente começar tudo de novo? Por que eu não consigo te apagar da minha mente, assim como Clementine apagou Joel? Por que você tem que ser a Clementine e eu o Joel? Por que eu tenho que ser Werther e você Charlotte? Por que eu não posso ser como os outros mortais? Razão ao invés de emoção? Ceticismo ao invés de esperança e fé? Por que eu tenho que sentir um nó na garganta quando olho para o nosso quarto e ainda vejo a cama desarrumada de nossa última noite juntos? Por que eu tenho que escrever essas besteiras, se você ao menos não dará ao trabalho de ler? Por que, M.? Por que tão perdido sem você? Eu preciso de uma resposta...

27/01/2011

Se tudo parecia nada, ainda assim...

Engraçado, sinto que quando estávamos juntos, a palavra nada não existia. O nada contigo era tudo, M. E o tudo que tenho agora, é simplesmente nada. E isso não é o pior...

30/01/2011

O nada era mais do que o que você deixou, no fim...

Teu cheiro. Onde está teu cheiro? Não é justo você ir embora e não deixar nada. Nada. Apenas lembranças, M. Lembranças não são coisas saudáveis quando se tem por perto um coração partido. Esse coração não é tão duro quanto se pensa. Sou capaz de arrancá-lo só para me livrar dessa dor. Não, não é agradável morrer de amor. Os poetas que me desculpem, mas isso não é para mim. É mais fácil levar um tiro ou sofrer um acidente, do que ficar com essa dor remoendo a alma. Werther, o que você faria em meu lugar? Werther, pobre Werther. Separados por um longo tempo, porém, com destinos iguais. Charlotte era uma ingrata. Não merecia tanto amor. M., idem. Morrer de amor, caro Werther, não é brincadeira. Muito menos bonito. Contudo, se faz necessário...

05/02/2011

Quando aconteceu, quando algo em que a gente acreditava se perdeu...

E os nossos planos, M.? Como você pode simplesmente jogá-los fora assim? Iríamos ser felizes. Iríamos fazer os outros felizes. A casa na praia, as viagens, as aventuras (nesse momento, uma lágrima visita o rosto do pobre Lucca. Essa lágrima que mal chega a tocar o chão, é como o anúncio de um batalhão de soldados feito de lágrimas em uma missão kamikaze). E os sonhos? Minha querida M., onde nos perdemos? Em que esquina deixamos um ao outro?

08/02/2011

Por onde você andava, por que não me socorreu?

POR QUÊ? Por que deixar morrer assim? Você não sabe, sua idiota, que tudo que morre, fica vivo na lembrança? Que tudo que viceja, também pode agonizar? Por que não me socorreu quando eu estava doente? Por que não me alegrou quando eu estava triste? Por que não me acalmou quando eu estava aflito? Por que não me procurou quando eu me perdi? Por que não... Por que... Por...

15/02/2011 (20:40hs)

Não é o fim do mundo é só o fim de tudo, que fomos nós... Sem flutuar e sem pisar no fundo...

Nesse momento, Lucca vai até o quarto e pega uma pequena caixa. Nessa caixa há um objeto que não podemos ver direito o que é.

Você dizia M., que a vida sempre segue. É lógico que ela segue. A vida não vai parar, sua imbecil. Mas o modo como ela segue, não é o melhor. Aliás, o modo como ela anda seguindo, vai me matando aos poucos. Não acredito que estou sucumbindo M,. a fraqueza que sempre repugnei. Não acredito que é o nosso fim. Não posso acreditar que é o meu fim...

15/02/2011 (20:55hs)

Sempre sós...

Sempre sós, M. Sempre sós...

Lucca retira o objeto da caixa e aponta diretamente para sua testa. É uma pistola ponto quarenta. Ouve-se o disparo. O sangue jorra pelo sofá como aquela forte chuva da manhã. Lucca, assim como seu co-irmão Werther, não morre imediatamente. Agoniza por alguns minutos antes de perder totalmente a consciência. Enquanto esse período no qual agoniza, em sua mente passam algumas fotos dos melhores momentos de sua vida, todos com M. ao lado. Ao fundo, ele ainda pode ouvir a música do casal, cujo título se chama Na nossa casa:

Quando anoiteceu
Nenhuma luz na nossa casa se acendeu
Aonde você estava?
Aonde estava eu?

Se tudo parecia nada, ainda assim
O nada era mais do que o que você deixou
No fim

Quando aconteceu
Quando algo em que a gente acreditava
Se perdeu
Por onde você andava?
Por que não me socorreu?

Não é o fim do mundo
É só o fim de tudo que fomos nós
Sem flutuar e sem tocar o fundo sempre sós.

A notícia da morte de Lucca chega a M. É uma pena, ela diz, enquanto coloca o casaco. Lá embaixo, no saguão do prédio, o espera seu novo namorado. M. retoca o batom, ajeita mais uma vez o cabelo e desce. M. toca a vida para frente. É absurdo, pensa ela, nos dias de hoje, alguém ainda morrer de amor. A vida continua. A vida mais uma vez continua...

Um comentário:

Lua disse...

unhum... continua...

=)