Depois
daquele dia, Maria do Socorro nunca mais foi a mesma...
Depois
daquele dia, Maria do Socorro nunca mais foi a mesma. Tão nova e já havia
passado pelo seu segundo infarto. Também, pela quantidade de cigarros que
fumava, incrível era que ainda tivesse viva. Maria do Socorro era uma mulher
suburbana. Não havia muitos atrativos por onde ela morava. Nem feiras, nem
parques, nem circo. Nada. Havia alguns bares. Maria do Socorro não era afeita a
bares. Achava-os vulgar e, portanto, não frequentava. Por isso a diversão dela
era fumar. E muito. Três, quatro maços por dia.
Uma verdadeira devoradora de cigarros.
Ela era gordinha, mas
tinha seus encantos. Alguns homens passavam pela frente da porta dela para
desejar suas gordurinhas e aquela pele parda. Muito bem cuidada por sinal. Ela
usava cremes e mais cremes para disfarçar os efeitos do cigarro na pele. Pouca gente
sabia, porque quase ninguém chegava perto dela, mas o cheiro de Maria do
Socorro era 90% de cigarro e 10% de perfume vagabundo que ela colocava para
disfarçar o odor. Certo dia ela aceitou sair com um homem. Como há muito tempo
ninguém ficava tão perto dela, esqueceu-se de passar perfume. Pobre homem, não
teve coragem de beijá-la na boca e nem em canto nenhum, por mais que relutasse.
Era como beijar um rolo de fumo.
O imposto do cigarro
iria subir, Maria do Socorro viu no Jornal. O que não era barato, iria ficar
ainda mais caro. Com tanta coisa pra aumentar imposto, por que logo nos
cigarros? Pensou ela em voz alta. Não se pode nem ter um enfisema pulmonar com
tranquilidade nesse fim de mundo. Para solucionar o problema, ela resolveu que
era melhor estocar uma quantidade razoável de maços. Desligou a TV, foi ao
quarto pegar uma roupa limpa e dirigiu-se ao banheiro. Iria tomar uma ducha
para sair renovada em busca de seu vício sagrado.
Saiu de casa,
obviamente, com um cigarro aceso. Restavam mais dois cigarros dentro de seu
último maço. Foi à banca mais próxima de sua casa. Não havia mais seus cigarros
preferidos. Não titubeou. Foi à outra um pouco mais afastada de sua casa. Não
vendia mais cigarros lá. Maria ficou levemente preocupada, mas continuou à
procura. Na próxima banca, o dono tinha acabado de fechar. Considerou pegar um
táxi, mas achava bobagem tomar um táxi para comprar cigarros. Andou. Percebeu
que sua respiração estava ofegante. Viu outra banca, não havia mais cigarros
nenhum. Com o aumento dos impostos, o pessoal passou mais cedo e levou tudo.
Ficou pensativa. Onde que iria conseguir cigarros? Tomou um táxi, finalmente.
Acendeu o penúltimo cigarro, receosa de não encontrar logo outro maço. Parou na
próxima banca. Nada. E na outra, e outra e outra. Nada. Nada. Nada. Teve a
ideia de voltar à primeira banca, perto de sua casa. Lá só não tinha sua marca
preferida, mas tinham outras marcas. Pediu para o táxi ir até lá. Não havia
mais cigarros de marca nenhuma. Levaram tudo. Maria do Socorro sentiu um aperto
no coração. Há quinze anos, nunca ficara um dia somente sem fumar. E também não
seria aquele dia. Teve uma ideia, pediu para o taxista deixá-la no
supermercado. Não é possível que lá faltasse. Assim feito, pagou a corrida, que
não foi barata e seguiu como pode para a seção de cigarros. Para sua
surpresa... havia um maço. Um único maço. Ela não conhecia aquela marca, no
entanto, iria ter que servir. Pegou o maço, olhou toda a embalagem com
meticuloso cuidado. Parecia cigarro importado. Que fosse. O melhor é que tinha
conseguido. Vinte cigarros novinhos em folha que garantiriam boas fumaçadas até
amanhã. Amanhã seria outro dia. Dirigiu-se ao caixa. Pagou. Chamou outro táxi e
foi pra casa.
Com um sorriso no rosto
como se tivesse lutado o bom combate, Maria do Socorro investigou novamente
aquela embalagem estranha. Abriu. Cheirou. Que delícia de cheiro. Sua luta
tinha valido a pena. Colocou um na boca, pegou o isqueiro, acendeu e tragou.
Que delícia! Nunca experimentou nada parecido. Por que nunca viu essa marca
antes? Decidiu que iria aproveitar cada momento daquele maço como se deve. Deitou
no sofá fumando aquela delícia em forma de tabaco, fechou os olhos, deu uma
tragada profunda, infartou e morreu. Morreu apagada como uma bicuta de cigarro.
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