2 de fevereiro de 2016

Depois daquele dia, Maria do Socorro nunca mais foi a mesma...

Depois daquele dia, Maria do Socorro nunca mais foi a mesma...

Depois daquele dia, Maria do Socorro nunca mais foi a mesma. Tão nova e já havia passado pelo seu segundo infarto. Também, pela quantidade de cigarros que fumava, incrível era que ainda tivesse viva. Maria do Socorro era uma mulher suburbana. Não havia muitos atrativos por onde ela morava. Nem feiras, nem parques, nem circo. Nada. Havia alguns bares. Maria do Socorro não era afeita a bares. Achava-os vulgar e, portanto, não frequentava. Por isso a diversão dela era fumar. E muito. Três, quatro maços por dia.  Uma verdadeira devoradora de cigarros.

Ela era gordinha, mas tinha seus encantos. Alguns homens passavam pela frente da porta dela para desejar suas gordurinhas e aquela pele parda. Muito bem cuidada por sinal. Ela usava cremes e mais cremes para disfarçar os efeitos do cigarro na pele. Pouca gente sabia, porque quase ninguém chegava perto dela, mas o cheiro de Maria do Socorro era 90% de cigarro e 10% de perfume vagabundo que ela colocava para disfarçar o odor. Certo dia ela aceitou sair com um homem. Como há muito tempo ninguém ficava tão perto dela, esqueceu-se de passar perfume. Pobre homem, não teve coragem de beijá-la na boca e nem em canto nenhum, por mais que relutasse. Era como beijar um rolo de fumo.
O imposto do cigarro iria subir, Maria do Socorro viu no Jornal. O que não era barato, iria ficar ainda mais caro. Com tanta coisa pra aumentar imposto, por que logo nos cigarros? Pensou ela em voz alta. Não se pode nem ter um enfisema pulmonar com tranquilidade nesse fim de mundo. Para solucionar o problema, ela resolveu que era melhor estocar uma quantidade razoável de maços. Desligou a TV, foi ao quarto pegar uma roupa limpa e dirigiu-se ao banheiro. Iria tomar uma ducha para sair renovada em busca de seu vício sagrado.

Saiu de casa, obviamente, com um cigarro aceso. Restavam mais dois cigarros dentro de seu último maço. Foi à banca mais próxima de sua casa. Não havia mais seus cigarros preferidos. Não titubeou. Foi à outra um pouco mais afastada de sua casa. Não vendia mais cigarros lá. Maria ficou levemente preocupada, mas continuou à procura. Na próxima banca, o dono tinha acabado de fechar. Considerou pegar um táxi, mas achava bobagem tomar um táxi para comprar cigarros. Andou. Percebeu que sua respiração estava ofegante. Viu outra banca, não havia mais cigarros nenhum. Com o aumento dos impostos, o pessoal passou mais cedo e levou tudo. Ficou pensativa. Onde que iria conseguir cigarros? Tomou um táxi, finalmente. Acendeu o penúltimo cigarro, receosa de não encontrar logo outro maço. Parou na próxima banca. Nada. E na outra, e outra e outra. Nada. Nada. Nada. Teve a ideia de voltar à primeira banca, perto de sua casa. Lá só não tinha sua marca preferida, mas tinham outras marcas. Pediu para o táxi ir até lá. Não havia mais cigarros de marca nenhuma. Levaram tudo. Maria do Socorro sentiu um aperto no coração. Há quinze anos, nunca ficara um dia somente sem fumar. E também não seria aquele dia. Teve uma ideia, pediu para o taxista deixá-la no supermercado. Não é possível que lá faltasse. Assim feito, pagou a corrida, que não foi barata e seguiu como pode para a seção de cigarros. Para sua surpresa... havia um maço. Um único maço. Ela não conhecia aquela marca, no entanto, iria ter que servir. Pegou o maço, olhou toda a embalagem com meticuloso cuidado. Parecia cigarro importado. Que fosse. O melhor é que tinha conseguido. Vinte cigarros novinhos em folha que garantiriam boas fumaçadas até amanhã. Amanhã seria outro dia. Dirigiu-se ao caixa. Pagou. Chamou outro táxi e foi pra casa.


Com um sorriso no rosto como se tivesse lutado o bom combate, Maria do Socorro investigou novamente aquela embalagem estranha. Abriu. Cheirou. Que delícia de cheiro. Sua luta tinha valido a pena. Colocou um na boca, pegou o isqueiro, acendeu e tragou. Que delícia! Nunca experimentou nada parecido. Por que nunca viu essa marca antes? Decidiu que iria aproveitar cada momento daquele maço como se deve. Deitou no sofá fumando aquela delícia em forma de tabaco, fechou os olhos, deu uma tragada profunda, infartou e morreu. Morreu apagada como uma bicuta de cigarro.

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