O
dia começou difícil. Acordei com os pentelhos na goma sem o menor motivo. Virei para o criado mudo e
peguei um cigarro. Acendi. Traguei. Olhei novamente para o criado mudo e vi que
ainda restava meia garrafa de Cavalo Branco. Peguei e bebi na garrafa mesmo.
Aprendi que é assim que um macho de verdade lida com um dia ruim. Bebendo
uísque quente e na garrafa, nessa porra.
Tomei
alguns goles e lembrei que tinha que levantar para trabalhar. Levantei e vi
tudo girando. Puta que pariu. Fui até o banheiro, vomitei e caguei uísque, me
limpei, tomei banho e ri daquela merda. Literalmente. Fedia, mas o dia estava
começando a ficar engraçado. Ri e peidei por causa disso.
Era
01 de Abril. Lembrei que era meu aniversário. Aliás, não tem como esquecer essa
data. Cai justamente no dia da mentira. Já podia imaginar meus colegas de
trabalho com aquelas brincadeiras babacas do tipo: “01 de abril!” Enfim, fiquei
puto novamente e fui atrás do meu uísque.
Eu
estava me embebedando mais do que era permitido para trabalhar. Não havia
colocado nada sólido no estômago ainda, mas a garrafa de uísque estava quase no
fim. Procurei alguma coisa para comer. Minha namorada, que havia dormido comigo
noite passada, não deixou nada pronto e foi embora sem avisar. Pior,
esqueceu-se do meu aniversário. Já não se fazem mais namoradas como
antigamente, pensei. Cocei a glande e fui procurar algo rápido para comer. Já
estava quase atrasado. Mais uma vez fiquei puto. É incrível como tenho ficado
bastante puto ultimamente.
Um
homem que mora sozinho tem sempre um estoque de miojo em seu armário. De
sabores variados: bacon, costela, camarão, carne, galinha, peixe, verduras e
legumes, sopa de miojo, churrasco de miojo, miojo ao molho branco, miojo ao
molho barbecue, miojo ao molho madeira, enfim, uma variedade de sabores
especialmente preparada para gente moderna como eu, que sabe que está na moda
temperar o corpo com sódio. Era só ferver a água, esperar alguns minutos,
afogar a massa do macarrão, escorrer e jogar o tempero por cima. Viva a modernidade.
Comi
quatro miojos lembrança de costela e fui ao quarto me vestir para trabalhar.
Meu trabalho era um saco. Absolutamente burocrático. Eu trabalhava no departamento
de carimbação oficial do IML. O presunto chegava lá, o pessoal fazia a limpeza
e os outros procedimentos. No fim de tudo, eu olhava nos olhos do morto e dava
o aval se ele estava liberado ou não. Se estivesse liberado, dava uma carimbada
autorizando o envio do corpo à família. Porém, antes de o corpo sair, alguém da
família deveria se dirigir a minha sala e assinar um documento que deveria ser
autenticado e protocolado em três vias, ficando uma no IML, outra com a família
e a outra enviada para o Governo do Estado de Pernambuco com o intuito de fazer
o censo de quantos presuntos chegavam a nós por mês. Eu não entendia muito bem
o porquê disso. Apenas fazia o que mandavam.
Fui
trabalhar. Ao chegar, avisto de longe meus colegas com os seus sorrisos
amarelos estampados naqueles rostos sofridos. Cumprimentei cordialmente cada um
deles:
-Bom
dia, senhores. Quer dizer, bom dia um caralho! Como é que se tem um bom dia se
nesse emprego você está sempre olhando a cara da morte, para ver se ela ainda
está viva?
-Sabe
que dia é hoje, Alfred? Esse era meu nome.
-01
de abril. Dia da mentira. O que tem demais nisso? – Perguntei.
-
Não está esquecendo de nada?
-
huuummm... – Gemi.
-Hoje
é sexta feira, seu bosta. E é a primeira sexta feira do mês. Sabe o que isso
significa?
-Caralho,
esqueci! Respondi pasmo.
Toda
primeira sexta feira do mês, o chefe do IML organizava um happy hour totalmente
de graça para nós. Chopp, cerveja, uísque, vinho, mulheres, uma variedade de
peitos e vaginas para todos os gostos. Tudo free. Ele dizia que como nosso
trabalho era bastante chato e estressante, nada melhor do que começar o mês chutando
o pau da barraca. Eis um homem de sabedoria plena. Deus o abençoe.
-Mas
o chefe falou que esse mês não vai rolar o happy hour. Disse um colega de
trabalho.
-Por
quê? Perguntei incrédulo, praticamente chorando.
-Ah,
cara... no último que rolou ele acha que você extravasou demais. Até hoje ele
não engole a estória de que você comeu no banheiro da boate a Ana Bisturi.
Ana
Bisturi era do setor de autopsia. Ela tinha esse nome porque, como nenhuma
outra pessoa naquele IML, tinha uma facilidade impressionante de cortar as
coisas. Tanto as mortas, como as vivas, se assim fosse necessário e de modo
especial, as coisas que viviam penduradas.
-Ah
cara, isso já faz parte do passado. Eu e a Ana Bisturi somos grandes amigos. Eu
disse.
-Amigos
demais, para o gosto do chefe. Você sabe, Alfred. O chefe é louco por ela. É
bom você ficar longe e não se meter em mais encrencas. Senão a próxima autopsia
que a Ana vai fazer é do seu bilau. Que por sinal, deve ser uma visão do
inferno. Faltarei nesse dia.
-
HAHAHA. –Seus arrombados. Eu preciso trabalhar. Até mais.
-Até.
Fiquei
triste por não rolar o happy hour daquele mês. Mas fiquei mais triste ainda
porque nenhum dos meus colegas de trabalho lembrou que era meu aniversário. Nem
minha namorada, nem meus amigos, nem meus pais, ninguém, absolutamente ninguém
havia lembrado que era meu aniversário. Filhos da puta. Só estão preocupados
com seus próprios cus, refleti.
Aproveitei
que não tinha muito movimento aquele dia e adiantei todo o trabalho.
Passei a manhã carimbado como um louco. Meu Deus, de onde vinha tanta gente
morta? Se esse ritmo não diminuir, daqui a uns dias sou eu que morro de tanto
trabalho.
Perto
da hora do almoço, minha secretária, que tinha umas carnes onde toda mulher
deveria ter, bateu em minha porta:
-Sr
Alfred, posso entrar?
-Claro,
Rosinha, fique à vontade, respondi, tendo um leve princípio de ereção.
-Sr,
Alfred, eu sei que apesar de todo mundo só lembrar que hoje é o dia da mentira,
é também seu aniversário.
-
Oh, Rosinha! Você lembrou. Finalmente alguém lembrou que eu existo. Estou tão
feliz. – Disse isso tendo já uma ereção completa.
-O
que o senhor acha de irmos almoçar para comemorar?
-Claro,
claro! Onde vamos? –Torci para que ela respondesse no motel.
-Não
sei, no caminho a gente escolhe.
Peguei
minhas coisas e a acompanhei.
Saímos
e eu pensei que Rosinha nos levaria a um restaurante de nome sugestivo, onde as
pessoas daquele IML comiam, chamado Coma Tudo. Digo sugestivo porque os
atendentes são gays, o gerente é gay e muitos clientes, fora eu e Rosinha,
também são gays. Os garçons te servem tentando fazer aquele olhar sedutor,
falando algo do tipo: “- o que o senhor vai querer hoje? Franguinho a frufru
com molho especial? É o prato do dia. E a racha, vai ficar só na alface?”
Enfim, sempre desconfio desse nome porque se vacilar, acaba comendo o que não
está no cardápio. Bastante constrangedor.
Porém,
eu me enganei feio. Rosinha nos levou a um restaurante reservado e pediu mesa
só para dois. O restaurante era uma coisa muito sofisticada e a comida parecia
ser boa. De entrada, veio um cara todo empacotado perguntando se iríamos beber
algo. Rosinha pediu um casillero Del diablo. Para comer, pedimos batata rostie
e bradwurst com mostarda escura. Eu nunca nem ouvi falar naquele prato. Se
fosse ruim, estaria tudo perdido.
O
vinho chegou e tratamos logo de abastecer nossos copos. Meu Deus, como era
delicioso aquele vinho. Quando se é acostumado a beber vinho carreteiro e se
coloca outra coisa melhor no lugar, os dentes do cidadão parecem que vão cair,
tamanha é a emoção. Bebi aquele manjar de uva cabernert como um camelo bebe
água no deserto. Rosinha era fraca para bebida, no fim da primeira taça, ela já
ria a toa. Tratei de dar conta do resto da garrafa.
A
comida de nome estranho chegou e estava bem apetitosa. Comemos como se não
houvesse amanhã. Éramos dois cavalos que não pastavam há dias. No fim, eu já
não agüentava mais. Deixei um pouco no meu prato ainda. Rosinha, apesar de
magra, raspou o dela. Fiquei imaginado para onde iria aquela comida toda, já
que rosinha lembrava muito um chassi de grilo. Pagamos a conta e fomos embora.
No
caminho de volta para o trabalho, Rosinha comentou como o dia estava bonito e
disse ainda que nós tínhamos bastante tempo para tomarmos um vinho que estava
na casa dela antes de voltarmos ao trabalho. Achei a ideia excelente e
involuntariamente, fiquei de pau bastante duro. A combinação mulher gostosa,
mais vinho, mais só nós dois em seu apartamento me deixava eufórico. Rosinha
era uma mulher direita e jamais se insinuou para mim. Contudo, sempre há uma
primeira vez e, sinceramente, além de eu ser bem irresistível com meu jeito
rústico, achava que ela estava precisando de uma boa dose de pica. Podia ouvir
seus gemidos. Essa safada já deve estar toda molhadinha.
Chegamos
ao seu apartamento. Estava um calor dos infernos. Rosinha tirou seu paletó e me
disse que iria ao quarto tirar outras coisas. Nem é preciso dizer que quando
ela falou isso, tive mais uma ereção.
-
Fique à vontade. Ela disse. –Volto já.
-Ok.
Eu disse.
Esperei
ansiosamente no sofá por ela. Fiquei imaginando que ela estaria tomando banho e
voltaria com uma lingerie preta matadora. Pensava em seus gemidos e em qual
posição eu começaria a comê-la. Meu pau latejava de ansiedade. Passados alguns
minutos, Rosinha me aparece com um bolo enorme, seguida por minha namorada,
meus pais, meus amigos de trabalho, meu chefe e Ana Bisturi. Todos cantando “parabéns,
pra você...”
Enquanto
isso eu continuava no sofá... nu... de pau duro.