10 de março de 2011

A piromaníaca

- Você tá sentindo um cheiro estranho? – Perguntei.

- Não... – Ela respondeu fazendo careta.

- É sério, é um cheiro estranho, um cheiro incomum. Tá sentindo, não? – Voltei a insistir na pergunta.

- Nem faço idéia do que você está falando.

- Pô, eu não tô ficando louco, não. É um cheiro estranho, mirmã...

- Poderia descrever esse cheiro? – Ela me perguntou com um ar de desafio.

- Tudo bem... – Eu disse. – É um cheiro familiar, um tanto quanto nostálgico. – Após refletir bem, cheguei numa conclusão: - Tudo bem, é cheiro de São João, só pode!

- São João? Como assim?

- Bem... Eu lembro que quando eu era pequeno, eu e meu amigo Will Chinaski, na época era só Wilsu Bezerra, arrente ia prum muro perto do edifício mandala, e mandava bala.

- Como assim?

- A gente ficava estourando os tijolos com fogos do são João.

- ...

- A gente pegava peido de veia e rojão para estourar o muro, era divertido ver destruição.

- “Divertido ver a destruição”, - Ela repetiu como um psicopata repete um crime.

- É, sério, então... a gente estourava o muro com os fogos, e quanto maior era o estouro, maior era a nossa diversão. E esse carro aqui, tá cheirando a... (puta que pariu!) – Comentei, por um carro quase bater em mim. – Esse carro aqui tá cheirando a pólvora, é isso, tá um cheiro estranho de pólvora.

- Não estou sentindo nada, querido. – Ela disse na maior inocência fingida do mundo!

Então, após cruzarmos outra e mais outra rodovia, eu me perguntava, para onde mesmo estávamos indo, afinal, parecia tão vago nosso destino.

- Você tem certeza que quer voltar para o seu interior? – Perguntei firmemente.

- Sim, sim. Eu odeio aquele lugar, mas preciso acertar algumas contas. – Falou com uma certa vingança na voz.

- Acertar certas coisas? , como assim?

Ela riu, simplesmente riu, não me levou à sério.

E após chegar naquele interior, em que todo mundo fica observando se a placa do carro é de fora ou não, é simplesmente um bom motivo para a novidade da cidade.

Então fomos direto à fazenda ou rancho, ou seja lá como se chama aquela casa familiar dela.

Conheci os pais dela, bem conservadores. O pai dela com aquele super bigode que nem o Mario Bros ousaria usar. E a mãe dela, sempre com um terço na mão, como se estivesse pedindo proteção a todos os segundos.

- Você sente falta daqui? – Perguntei.

- Nem um pouco.

- Como?

- Nem um pouco, eu disse.

- Ok, ok... mas afinal, o que tem pra se fazer nessa cidade, hein?

- Nada.

- Como assim, nada?

- Exatamente nada, vai se acostumando com a idéia, é por causa disso que eu fiquei neurastênica, sempre pensei que podia sair daqui e ir para um lugar que combinasse comigo. O tédio me corroia por dentro.

- Era tão terrível assim.

Ela fez um gesto dramático com a cabeça.

Eu nada mais falei, e apenas me concentrei em jogar algum jogo no meu celular, esperando que o tempo passasse.

E finalmente a noite veio, e prometia bem mais tédio.

Eu sei que era legal a natureza, verde, ar puro, e todo aquele clima de tranqüilidade e blá blá blá. Mas sinceramente, a admiração perante à calma, só dura no máximo uma hora, e olhe lá.

Foi quando o criado – Macenor, entou na casa com uma grande novidade pra conta:

- Sinhazinha, sinhazinha! O circo chegou na cidade, o circo chegou na cidade, sinhazinha! Sinhazinha!.

Eu mal pude acreditar: Ainda chamavam a filha do senhor de engenho de Sinhá Moça! Ah, mas era mais do que um motivo para tirar onda com ela depois.

Enquanto o quase escravo espalhava para a casa inteira que estava havendo um grande circo na cidade, e que a propaganda era um palhaço gritando pra lá e pra cá... A noite prometia.

- O que você acha da gente ir? – Eu perguntei.

- Com certeza. – Ela disse com um olhar psicótico.

Oito horas em ponto, estávamos lá, entrando naquele circo seboso e bem improvisado. A arte em se manter na vida através da própria arte era até admirável. Para se ter idéia, o preço da entrada era tão somente um alimento não perecível. Ou várias caixas de fósforos, ou sei lá o quê. Pagamos apenas dois reais pra entrar e estava tudo certo.

E começou o espetáculo.

Enquanto o palhaço começava a apresentação do circo, e dava boas vindas para todos os espectadores. As pessoas estavam hipnotizadas por qualquer tipo de novidade.

Eu juro que tentava rir das piadas, enquanto todos riam para se acabar e se acabavam rindo, de fato.

Então foi a vez das bailarinas. Nada de impressionante, apenas pessoas habilidosas fazendo várias curvas, mas tudo bem, melhor do que ficar no riacho.

Colocaram uma foca equilibrista, ou alguns trapezistas, colocaram até engolidor de facas!

E finalmente veio o grande mágico. Por algum motivo ele falava com um sotaque castelhano. Acredito que quando alguém vem de muito longe, dava mais gosto de se ver naquela cidade.

E finalmente, ele fez aquele velho truque em tirar um coelho do chapéu. Muitos aplaudiram, é claro. E eu ficava entediado.

- Olha, eu vou aqui no banheiro, tá? – Ela me informara.

Após, ter ido longe demais, eu pensei:

- Peraí, aqui não tem banheiro!

Tarde demais, ela se fora, e eu lá sozinho naqueles bancos improvisados com a iminência em cair.

Depois de ouvir mais algumas piadas sem graça de alguns dos palhaços e suas respectivas palhaçadas. Ela retornara.

- Pronto. – Falou ao sentar do meu lado.

- Onde você tava?

- No banheiro, eu não disse?

- Mas aqui não tem... – E de repente, deixei-me interromper ao sentir outro cheiro estranho: - Olha, você tá sentindo?

- O quê?

- Um cheiro estranho?

- Você peidou?

- Não, sua escrota! É um cheiro... Ei, isso é cheiro de gasolina!

- Não to sentindo nada. – Fez um gesto irônico.

- Ei, e tá vindo de você! Você tá cheirando a gasolina. Isso mesmo! Você tá cheirando a gasolina,meo deos. O que você andou faze....

E de repente ouvi uma grande gritaria!

Após olhar bem ao centro do espetáculo, o palco principal começara a pegar fogo. Enquanto eu ficava de boca aberta, ela pegou na minha mãe e me puxou, para enfim corrermos.

Era inacreditável ver todo aquele fogo se espalhando.

- Puta que pariu! Foi você quem fez isso?

Ela não respondeu, apenas ficou rindo, e ria como uma louca, enquanto corria, simplesmente corria com um ar de vingança realizada.

- Puta que pariu, mirmã, você tá queimando o circo! Você botou fogo no circo. – Eu disse, enquanto corríamos na multidão aterrorizada.

- Mirmã, como você faz isso? – Enquanto perguntei ela parou de correr e ficou observando o real espetáculo, o fogaréu queimando furiosamente, sem piedade de qualquer pano ou palha.

- Não é lindo? – Ela disse rindo, com um ar cheio de graça. – Ver o circo pegando fogo?

- Mirmã, você é louca, louca de pedra, louca!

E nos observamos os malabaristas, os trapezistas, todos que compunham a magia do circo, tentando revidar ao fogo, tentando resistir ao fogo sem qualquer eficácia. E certamente naquela cidade não havia qualquer sinal de bombeiros. Era tudo tarde demais, o primeiro a notar aquilo tudo foi o palhaço. Que de desesperado, passou a ser o primeiro homem triste; e finalmente caiu em prantos e começou a chorar. Nunca em minha vida pensei em ver um palhaço triste, a sua real face de tristeza. Aquilo sim era uma coisa inédita.

A louca do meu lado se acabava... Simplesmente ria de tudo aquilo sem hesitar, sem disfarçar a qualquer empatia. Ela ria como se fosse a última risada de uma vida.

- Sua piromaníaca do caralho!, louca! Fudida...

Ela mal se importava com meus xingamentos, e eu ficava hipnotizado pelo fogo se espalhando e pela cena;

- Vai, sério, por que você fez isso? – Perguntei.

- Essa cidade, nunca viu tanta movimentação. – Disse ela numa certeza impressionante. – Esse será o dia conhecido como o fogo no circo nessa cidade.

- Mas por que você fez isso, pessoas estavam se divertindo ao assistir aquela porra de espetáculo fudido!. – Essas pessoas vão ter mais história pra contar depois disso, vão se divertir pro resto da vida.

- Mas e as pessoas que trabalham no circo?

- Vão voltar a se reerguer, fácil fácil. Basta um empreste consignado e levantam a porra dessa lona e vão para outra cidade.

- E qual a graça nisso tudo?

- Em ver um palhaço chorando? Toda...

- Sério mesmo, por que você fez isso?

Eu nunca vou me esquecer dessa cena: ela se virou em minha direção, olhou profundamente nos meus olhos e disse:

- A vida sem o perigo, é um tédio, é uma lenta agonia.

Um comentário:

Lua disse...

unhum...
é sem graça...

neh?!
hahahaha

=)